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Do médico ao juiz

Ações na Justiça contra SUS e planos se mostram nocivas sob diversos aspectos     

21.mar.2019 às 2h00  

Em um sistema funcional de saúde, os cidadãos recorrem a serviços públicos, à rede privada ou a uma combinação das duas opções. No Brasil, cada vez mais, eles procuram também o Poder Judiciário.

Pesquisa inédita feita por encomenda do Conselho Nacional de Justiça mostra que, na década de 2008 a 2017, ações contra o SUS e contra planos privados —o que se chama de judicialização da saúde— aumentaram 130%.

No último ano da série, contaram-se quase 100 mil casos. No período, o crescimento do volume total de processos foi de 50%.

Chama a atenção no estudo, coordenado por Paulo Furquim de Azevedo, a variação regional dos tipos de pedido. Em São Paulo, por exemplo, 82% dos processos são contra planos de saúde e prevalecem demandas por medicamentos ou procedimentos não previstos no SUS nem no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Já no Pará a maior parte das ações relativas a medicamentos busca acesso a drogas que o SUS, em tese, já disponibiliza para toda a rede. Isso significa que, ao menos em algumas regiões, apenas organizar melhor o sistema já bastaria para reduzir o recurso aos tribunais.

A judicialização é nociva sob diversos aspectos. No setor público, reduz a capacidade de autoridades eleitas de decidir que prioridades merecerão as verbas de um orçamento necessariamente finito.

Há alguma controvérsia em torno dos números, mas se estima que processos nas esferas municipal, estadual e federal atinjam nada modestos R$ 7 bilhões anuais.

Na área privada, o impacto recai sobre os custos. Além de já remunerar um exército de profissionais de saúde, os planos precisam pôr em sua conta —que será repassada ao consumidor— uma legião de advogados e encargos processuais.

A própria operação das empresas fica mais arriscada, uma vez que a criação, por juízes, de obrigações que não estavam previstas em contrato torna os cálculos atuariais menos precisos.

Obviamente, não se pode impedir ninguém de procurar a Justiça. Muitas vezes é a única forma de obter acesso a drogas comuns e procedimentos simples que só não estão à sua disposição por uma combinação de ineficiência e descaso.

Outras tantas, porém, o paciente se ampara em ilusões, eventualmente semeadas por médicos e laboratórios interessados em lucrar.

Diante do quadro, cabe oferecer aos magistrados apoio especializado para que possam tomar decisões mais técnicas do que emocionais. A saúde deve ser tratada em consultórios e hospitais —e apenas subsidiariamente em escritórios de advocacia e fóruns.

Fonte: Folha de São Paulo